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Taquari/RS; Canoas/RS; Esteio/RS; Sapucaia do Sul/RS, Rio Grande do Sul, Brazil
Autônomo do ramo da prevenção contra incêndio; Formando em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

2014 - A FALÁCIA DA NOVA LEI DE PREVENÇÃO CONTRA INCÊNDIOS NO RIO GRANDE DO SUL


      Quase um ano depois do acidente que matou 243 pessoas e deixou dezenas com seqüelas, pelo incêndio de uma boate em Santa Maria/RS, o Estado vem apresentar uma nova legislação de prevenção contra incêndio.

Trabalho há 12 anos como prestador de serviços na área comercial de projetos e sistemas contra incêndio e não vejo diferenças essenciais entre a lei anterior e a pretensa “nova lei de prevenção e combate a incêndios no Estado do Rio Grande do Sul”. Como eu disse em pequeno comentário ao sítio do Jornal do Comércio: a lei anterior também era boa. O que faltou não foi lei. Carlos Drumond de Andrade diz que "as leis não bastam” - E tem razão, o poeta, porque, a exempla, o que faltou em Santa Maria, foi fiscalização! Mas continuamos dando cada vez mais poder  a uma entidade que não sabe lidar com o direito das pessoas... 

         É preciso esclarecer, ainda, que assim como aconteceu em Santa Maria, os Planos e os Projetos de Prevenção Contra Incêndio são protocolados em muitos quartéis do Corpo de Bombeiros da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul e demoram meses, às vezes mais de um ano para serem aprovados ou notificados de correção.

Mesmo assim, desde a lei de 1998, os bombeiros vêm sendo “empoderados” de uma forma que me parece deveras inconstitucional. Eis que o decreto anterior remetia para normas que são elaboradas pela ABNT, uma entidade civil. Já a nova lei, pior do que a anterior, veio dar poder justamente para quem falhou em Santa Maria/RS, remetendo quase tudo para as RT’s (resoluções técnicas do Corpo de Bombeiros). Ora, a função da polícia é fiscalizar o cumprimento das normas e não editá-las. 

         Já na legislação anterior, os bombeiros, pretensiosamente  criavam as chamadas portarias e resoluções técnicas e aplicavam como direito restritivo sobre civis, pessoas, estabelecimentos e empresas.  As portarias são para administração interna, entre subordinados de uma corporação, não para criar obrigação de fazer para civis, para os administrados. 

         O que me surpreendeu muito, quando recebi a revista do CREA/RS com a foto do companheiro Adão Villaverde, que divulga a nova lei de prevenção contra incêndio, é que se apontam umas dezoito entidades civis que, em tese, teriam participado de sua formulação, inclusive uma universidade particular das maiores do Rio Grande do Sul.

Só não há surpresa quando se vê a participação de uma universidade cuja menina dos olhos é o curso de direito, mas que não o pratica apropriadamente, chegando a exigir cheque calção em contratos de parcelamento, sem mencionar tais cheques no texto do contrato, o que caracterizaria dois contratos diferentes, o cheque e texto do contrato propriamente dito. 

         Essas aberrações jurídicas estão se fazendo cada vez mais freqüentes na legislação e na vida dos brasileiros, ainda mais quando os que produzem o direito não têm conhecimento de como ele funciona. 

         Voltando ao caso da prevenção contra incêndio, o que houve em Santa Maria/RS, foi que o Corpo de Bombeiros aceitou um Plano Simplificado de Prevenção Contra Incêndio, previsto na Portaria 138 do Estado Maior da Brigada Militar. Mas clubes sociais, ambientes de dança, não podem, segundo a própria portaria 138 combinada com o decreto de 1998, terem, seus planos contra incêndio, apresentados de forma simplificada, ou seja, sem acompanhamento técnico de profissional credenciado junto ao CREA ou CAU. Da forma como se procedeu em Santa Maria, impuseram-se portarias como obrigação de fazer para civis,  quando a própria corporação não as respeita.

         Assim sendo, percebe-se claramente, mas não se comenta, que não foi a lei que falhou. Não havia necessidade de mudar a lei. Foi a fiscalização que não funcionou! Mas o governo precisava dar alguma satisfação às famílias das vítimas!

         Entre as diversas falhas que cometem os bombeiros do RS, a que mais me preocupa é que, além da questão do não cumprimento dos prazos da portaria 64/EMBM é que os bombeiros têm poder para se divertir, se quiserem, com os planos e projetos de prevenção. A lei não deixa claro o prazo que eles têm para dar respostas. Antes, a portaria 64 dizia que deveriam ser 20 dias. Mas, desrespeitando o princípio jurídico da oportunidade, muitos processos administrativos eram notificados e, após o cumprimento da notificação, pelo usuário, os bombeiros, em muitos quartéis, davam nova notificação de um novo item que já tinha sido visto na visita anterior, mas que ficou para trás, gerando nova notificação. 

         Algumas notificações são tão ridículas e põem ao piso todos os princípios de direito administrativo, tais como celeridade, impessoalidade, economia processual, aproveitamento e simplicidade. Outra falha do sistema jurídico brasileiro que nunca teve o esmero de elaborar um código de processo administrativo, mas que não justifica que não se observe, pelo menos, o artigo 37 da CF.

         Das notificações mais banais que já recebi foi uma mandando parafusar as placas dos extintores e de saída, em Esteio/RS, quando se sabe que todas as empresas usam cola evitando, inclusive, danificar as ditas placas, que tem todo o corpo normatizado, sem desenho de parafusos. Ou outra mais ridícula dizendo “não foi lançada a área construída na capa da pasta do PPCI”!  Clara a intenção de atrasar o serviço deste prestador, denegrir sua imagem e favorecer outros que lhes sejam mais simpáticos. Enterre-se o princípio fundamental da isonomia e da impessoalidade.

         Exemplo concreto dos problemas que se trazem aqui é o processo de um cliente meu em que eu solicitei o cumprimento da RT 11 CCB/RS e há doze meses eu estou esperando resposta. Solicitei ao Corpo de Bombeiros local um alvará com ressalvas, enquanto não se tem resposta definitiva. O soldado atendente me respondeu que não poderia fazer isso. Ah, sim! Mas ficar um ano inteiro com o processo parado, isso pode?!

         Por sorte, de forma velada, todas as prefeituras reconhecem essa morosidade do Corpo de Bombeiros e têm concedido alvará de funcionamento, aos estabelecimentos, pelo simples apresentar do protocolo de encaminhamento, como se fez em Santa Maria. O que será das cidades todas, se as prefeituras resolverem cumprir, à risca, o artigo 5º da Lei 14.376/26/12/2013?!

         Independentemente da divergência partidária, quero aproveitar, aqui, para pedir que se faça justiça em relação ao prefeito César Schirmer e aos funcionários daquela prefeitura. Pois se os bombeiros não cumprem suas obrigações e seus prazos, a cidade não pode parar. Vai funcionar precariamente e vai colocar a vida de todos os citadinos e visitantes em risco. Ainda que pese alguma responsabilidade penal sobre os que operavam a festa e que trancavam as saídas, a responsabilidade objetiva, acerca dos fatos de 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria/RS, é do Estado do Rio Grande do Sul, que deixou sem resposta, por seis meses, aquele estabelecimento, que foi, depois e por isso, sinistrado, sem prejuízo da responsabilidade criminal dos funcionários públicos envolvidos e do direito de regresso que o Estado tem contra estes.

         Eu gostaria, também, que além de indenizadas as famílias das vítimas, se visse indenizado o proprietário da boate, que foi mostrado em
algemas, na cama do hospital sob procedimento arbitrário do delegado da polícia civil local! Esse proprietário havia protocolado o pedido de vistoria, PSPCI em agosto do ano anterior ao acidente e, seis meses depois, ainda não tinha resposta. A prefeitura deixou abrir. Era uma boate, mas poderia ser um supermercado. Incabíveis as algemas, porque o rapaz era um suspeito acamado em hospital e não manifestava a vontade de fugir.

De fato e, cada vez mais, de direito, muito poder é dado à uma instituição que deveria simplesmente fiscalizar. A capacidade técnica para projetos de prevenção contra incêndio é dos engenheiros, arquitetos, técnicos de segurança, não dos brigadianos!  Se essa fórmula de direito começar a ser praticada, não tarde o SAMU ou a POLÍCIA MILITAR vai criar “Resoluções Técnicas” para regulamentar a atividade dos MÉDICOS  e dos HOSPITAIS!

         O artigo 5º da Constituição diz que ninguém deverá fazer ou deixar de fazer senão por força de lei. Bom! Mas daí os nossos queridos deputados criam uma lei abrindo mão disso, dando amplos poderes para a polícia militar, no caso, os bombeiros criarem leis com o nome de resolução técnica.

         O que mais me surpreende é que o CREA e o CAU nada fizeram para reagir diante disso! Todavia, nem tudo está perdido, os comerciantes, os industriários, a sociedade civil organizada, deputados e governo ainda podem rediscutir essa lei mal feita e, quem sabe, criar conselhos municipais de prevenção contra incêndio, democratizando o acesso e dando mais transparência ao andamento dos processos de prevenção contra incêndio, evitando, inclusive, possíveis direcionamentos dos serviços às empresas da simpatia de alguns funcionários da PM.

         Lutamos tanto por uma Constituição democrática! Por que, agora, estamos abrindo mão dela, criando leis que dispensam a lei?

        
Sapucaia do Sul, RS, 14 de fevereiro de 2014.


Luciano Braga Alves,
agente comercial em projetos e
sistemas de prevenção contra incêndio,

acadêmico em direito, 7º semestre. 

Um comentário:

  1. Acabei de assistir uma reportagem absurda da Rede Bandeirantes, criticando a decisão liminar da Desembargadora Denise Oliveira César, que liberou o Sambódromo de Porto Alegre/RS, sem oitiva do Corpo de Bombeiros. Ora, a morosidade e o desatino da polícia militar deve ter sido percebido já por essa jurista, sem dúvida. As decisões liminares não são expedidas sem um mínimo de elementos fáticos ou legais que as garanta. A reportagem ainda se refere ao Corpo de Bombeiros como autoridade no assunto de prevenção contra incêndio. Sim, claro, é autoridade no assunto de prevenção contra incêndio, mas não é a única. Os bombeiros não são deuses e podem perfeitamente e naturalmente estarem enganados! A justiça, os foros, os tribunais também têm suas autoridades em prevenção contra incêndio, que sejam os peritos judiciários. A desembargadora também é autoridade no assunto, pois conhece a lei tanto quanto os bombeiros. Vamos parar de endeusar as polícias. O filme O Juiz, com Silveste Stalone, se passa depois do ano 3.000DC, não agora. E, quando chegarmos lá, ainda não quero que a realidade da ficção impere sobre a realidade real! http://www2.portoalegre.rs.gov.br/portal_pmpa_novo/default.php?p_noticia=167515&DECISAO+JUDICIAL+GARANTE+MUAMBA+E+CARNAVAL

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