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Taquari/RS; Canoas/RS; Esteio/RS; Sapucaia do Sul/RS, Rio Grande do Sul, Brazil
Autônomo do ramo da prevenção contra incêndio; Formando em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito.

domingo, 28 de junho de 2015

Cinquenta Metros, Sete Andares

     Os dois colegas da rádio desceram. Como quem fosse para o carnaval. Óculos escuros mesmo sendo noite... Plumas, festins, aquelas coisas coloridas. Um deles, de peruca loura, cacheada a crespos grandes, descia e olhava meio para cima, meio para trás, dando gargalhadas, ao lado do outro, que só descia, em camiseta e jeans, de cabeça baixa, socando os ombros a cada passo que dava, a cada degrau que descia.  O desvairado sacudia para cima, enquanto gargalhava, aqueles enfeites, principalmente os festins verdes. Saí da caixa da escada. Fechei a porta. Fiquei olhando pela janela à rua lá embaixo. Eu olhava pela janela e já nem os via. O protesto era grande. Tapava a rua toda. Cinquenta metros à minha frente, quatro andares abaixo, do outro lado da rua estava a rua e a quadra em que eu moro. Assim... um prédio gris, com certo ar de paz. Esses últimos cinquenta metros de rua nem tinham tantos manifestantes. Uns ou outro... mas a polícia vinha chegando, com umas armas longas, parecendo espingardas... mas lançavam como que uns pequenos mísseis, de tamanho e formato parecidos a bolas de futebol americano, que tanto podiam permanecer na posição horizontal, como podiam posicionarem-se na vertical. Esses projéteis eram de um cinza escuro e pareciam ser de plástico. Quando caíam no chão, se abriam como se abrem as cascas de uma banana e deles saíam gases tóxicos. E era isso que a polícia atirava pelas costas da multidão a cinquenta metros. Eu queria ir para casa, na direção contrária. Em seguida, já estava eu descido e nem tinha percebido as escadas. Levava, na mão direita, um canudo com uns trabalhos, uns desenhos, uns escritos. Gritei para eles: imprensa, porra! Imprensa! Mas eles não queriam saber. Miravam, aqueles troços que atiravam, bem na minha direção, na altura do abdômen. E eu me esquivava. Não me acertaram nenhum. O segundo troço ficava quicando no chão, na vertical. Esperei uma de suas subidas e chutei por baixo, de volta. Não atingiu os policiais e eles também não conseguiam me acertar. Nesse processo, consegui chegar perto de um deles, aquele mais perto da vértice da esquina, que me deixou passar. Dei uns passos e fui parado por um soco na face. Ao parar, olhei quem me tinha agredido. Era uma policial feminina, em trajes de polícia, mas trajes de passeio. Uma camisa bonita, bege, de mangas longas, e uma saia, verde musgo, pregueada; meias pretas até meia canela e algo, aos pés, que não sei se posso chamar de coturnos. Depois do "scanned" de cabeça aos pés, olhei para a cara dela que, antes que eu perguntasse alguma coisa, me disse: foi meu pai quem me mandou encontrar com você! E sorriu, iniciando caminhar em direção ao meu apartamento.

     Nossa! Paula Matos! Seu pai lhe havia mandado mesmo para encontrar comigo? Não sei. Não sabia. Acompanhei seus passos como se eu fosse o convidado a entrar no meu próprio apartamento. Subimos. Entramos. Terceiro andar... meu quarto-e-sala. Tranquilo, arrumadinho. Sentei no tapetão. Cansado. Estressado. Ela sentou no meu colo, de frente, segurando meus ombros. Puxei o "notebook" e o coloquei entre nós, no colo dela. Eu precisava escrever algo que eu nem lembrava mais o que era. Ela levantou. Andava pelo quarto com as mãos no rosto, sem dizer nada. Deixei o "note" aberto em cima da cama, piscando luzes, virado de frente para a circulação do quarto-e-sala. Apaguei. Acho que dormi de-em-pé. Não sei. Não lembro. Acordei ainda de madrugada. Ela não estava mais. Dormi novamente e não sei o que vou encontrar quando eu acordar.