A REDE PAMPA E A DOR BURGUESA
Todos sabem que o modelo de mídia aberta no Brasil – e não só no Brasil – cumpre um papel de
criar o senso comum, a opinião pública, os conceitos, os pré-conceitos, os
padrões de certo e de errado. Não raras vezes definem eleições políticas tanto
quanto a permanência ou não de determinados governos. Isso é novidade nenhuma
para qualquer pessoa que discute o assunto. Todavia, em especial, tem me
chamado atenção o comportamento de uma rede sul rio-grandense de rádio e
televisão que nunca vi ser atacada pelos movimentos de esquerda, que não parece
ser uma rede tão rica economicamente, mas que tem cumprido à risca a cartilha
do interesse burguês no produto que oferece aos seus expectadores.
Conheci à Rede
Pampa de Rádio e Televisão quando eu ainda era bem menino, por volta dos meus 8
anos, 1983 d.C. O Canal 4 de Porto
Alegre, RS, que até os anos 90, além de um pouco de programação local,
transmitia o sinal da Rede Manchete, do sudeste do Brasil, de onde conheci Xuxa
Meneguel, já produzida por Marlene Matos, no programa vespertino chamado Clube
da Criança. O Pirata do Espaço era meu desenho animado predileto. Ainda bem que
a internet, tantos anos mais tarde, me proporciona ver novamente essas coisas e
curtir algumas saudades. Mais tarde, o Canal 4 passou a retransmitir, por poucos
meses, o sinal de uma outra organização que, agora, minha memória não deixa
lembrar e, em seguida, até os dias de hoje, passou a fazer rede com a Record,
que se sabe propriedade da rede de Edir Macedo e sua Igreja Universal do Reino
de Deus.
Em que pese o
cumprimento da cartilha liberal que essas igrejas pentecostais e afins têm
sobre a humanidade, muito maior é a incidência das práticas “neoburguesas” nos
canais locais da Rede Pampa. Muito pior do que preconiza a organização de Edir
Macedo.
No dial, a
Rede Pampa oferece, na região metropolitana de Porto Alegre, uma pá de cerca de
uma dúzia de rádios que mudam todo tempo de nome e que trocam seus nomes e suas
programações entre si, parecendo uma tentativa de ajuste à adesão do público.
A Rádio
Liberdade, uma de suas emissoras, que foi comprada do Sistema Tartarotti de
rádios, cuja programação é tão somente de música gauchesca, uma relíquia de
cultura gaúcha, com toda a riqueza da poesia da pessoa campeira do sul, mas que reafirma valores culturais não muito libertários do ponto-de-vista das minorias sociais, dia
desses, teve seu canal de maior alcance substituído por uma programação de
somente debate de futebol. Enquanto isso, a Rádio Liberdade foi parar numa
frequência “pampeana” de baixo alcance no dial. Outra de suas frequências, ao
meio do rádio FM, passava o dia todo exercendo um debate entre dois componentes
de mesa que simplesmente repetem jargões e valores do senso comum capitalista, sem
nenhum estudo científico. Não poucas vezes os ouvi pregar valores de vingança
contra bandido e desdém ao direito penal brasileiro. Felizmente, há poucos
dias, a Rádio Liberdade FM veio ocupar a frequência ao meio do rádio (96,7 FM)
e, pelo menos para mim, aqueles dois papagaios de patrãozinho sumiram...
Caiçara AM cumpre seu papel, desde que a
conheço, de tocar músicas mais velhas, das que reproduzem todos os valores de
dores amorosas, permitidas às décadas da ditadura militar brasileira, em
detrimento da poesia libertária, do exercício do senso crítico.
A gota d’água,
que me fez derramar o copo da vontade de escrever este texto, que há meses
venho pensando, foi que hoje à tardinha, ao assistir um programa de debate que
passa no Canal 4, vi a dor de senhores da sociedade sul rio-grandense,
reclamando da dor que é não poder abater, no imposto de renda, mais do que R$
3.000,00 dos gastos em educação. Ora, enquanto eles reclamam disso, o salário
mínimo brasileiro é de R$ 788,00 e 90% dos estudantes brasileiros não podem
gastar mais do que R$ 50,00 mensais em educação e contam com auxílios do governo ou
com escolas públicas sucateadas para poderem estudar. Embora o Estado
Brasileiro recém tenha começado a ampliar as vagas no ensino superior aos que
não podem pagar, Fies, ProUni e Sisu ainda são insuficientemente a tábua de salvação dos mais pobres que desejam entrar no ensino superior.
Esses
comportamentos injustamente queixosos nos fazem questionar que liberdade de expressão há no sistema de
mídia brasileiro, em que somente as classes mais abastadas podem se manifestar.
Isso reforça a percepção da necessidade que há da urgente democratização dos
canais de rádio e televisão, para que todos possam se manifestar.
Ademais, é
clara a intenção de alguns representantes da classe média, aquela que optou por
não libertar os pobres, mas aderir aos mandos da alta burguesia, em reclamar
diuturnamente da política brasileira, de forma a desmerecer à opinião pública o
atual governo. Usam os canais de mídia, que são concessão pública, para
denegrir certos grupos políticos favorecendo, assim, àqueles que eles pretendem
que estejam no poder.
Canoas, RS, abril de 2015.